ENTREVISTA

4 - Janeiro - 2011

Vladimir conversa com a cantora Cristina Buarque

 

Num dia de intensa agitação no Rio de Janeiro, quando da ocupação das comunidades da Vila Cruzeiro, na Penha e do Complexo do Alemão pela polícia, estivemos na bucólica Paquetá, entrevistando a cantora e pesquisadora Cristina Buarque. Lá, só calma e descontração. O mundo parou por alguns minutos para conversarmos sobre samba e cultura, o antigo e o novo, política e projetos, com a rainha do samba, que acaba de completar 60 anos sem abandonar a esperança nem o espírito crítico. Participaram da entrevista o músico Marcelo Maciel, o produtor cultural Flávio Aniceto e a jornalista Rosana Rocha. Fotos de Micaela Costa.

VP: Você que é a rainha do samba, como é que vê essa história toda? Você é a pessoa que mais fez pelo samba; pelo menos no Rio de Janeiro. Embora, de vez em quando, você goste de ir para São Paulo também. Mas diga: como é que você  sente esse clima na cidade? Outro dia o Ivan Lins foi assaltado e disse que vai sair do Rio de Janeiro. Você alugou uma casa aqui, em Paquetá, para ele?(risos)
Eu saí do Rio de Janeiro não foi por causa da violência não. É que o Rio estava ficando muito chato, aquelas coisas de briga para você entrar no metrô, a gente andava na rua com guarda-chuva embaixo da marquise. É muita gente na rua e as pessoas estão muito nervosas. Essa é a violência. Não é medo de assalto, essas coisas não. É a neurose das pessoas da cidade.

FA: Do dia a dia.
É, isso está incomodando bastante. Você vai aos lugares e as pessoas falam muito também, sabe? Eu sou meio assim.

RR: Há quantos anos você mora aqui?
Dois anos. Mas há dez anos eu frequento Paquetá, de vir pelo menos uma vez por mês, sempre querendo morar. Há dois anos eu consegui vir.

RR: Como é que é produzir em Paquetá? É diferente?
Bom, eu prefiro nem produzir. (risos) Eu estava querendo me aposentar, meus filhos sustentarem minha velhice. Mas não deu.

FA: Mas você fez três discos, depois de aposentada, não é?
Eu nunca trabalhei tanto, desde que me aposentei. Começou a chover trabalho, e algumas coisas irrecusáveis e outras recusáveis. Deixei de fazer muita coisa também. Foram dois com o Terreiro, um com a Banda Glória e um com o Samba de Fato. Três anos, quatro discos. E daí tem lançamentos, viagens, fora que eu sou funcionária do Paulinho da Viola também. Faço coro para ele.

VP: Mas sem ofensa, não há outras vozes do seu nível. Quando eu fui ao show, era o coro, mas eu só ouvia você.
 Ah, mas aí depende do técnico de som.

VP: Aliás foi gozado, porque tinha duas moças animadinhas, sambando, e você paradona ali, entendeu?

FA: A Cristina canta e elas badalam.

VP: É, badalavam mesmo, para um lado, para outro.
Eu não sou mesmo muito de me mexer.

FA: Mas quando você está no coro, você não se solta mais?  A gente ouve a sua voz, mais.
Eu gosto mais de fazer coro, porque não dá nervoso.

FA: Você fica ali, meio que protegida.
Eu fico ali atrás, como faço com o Terreiro Grande, a gente faz uma roda grande e eu fico sentada no meio deles. E eu já estou ficando velha, sentada. Quando eu faço com o Henrique Cazes, também é um banquinho para ele e um banquinho para mim. (risos)

VP: Mas o Henrique Cazes não se acha velho não.
Não, velha sou eu. Ele é bem mais novo.

FA: Mas ele é delicado então. Já que ela está se considerando velha, ele não vai ficar ali em pé.
Eu fiz 60 anos em dezembro.

VP: Estou lascado.
Já estou idosa para cantar, para dançar. Elza Soares não está, eu estou. (risos)

FA: Quer dizer, você tinha que falar isso para Dona Ivone, da Elza. Para matar esse argumento, a Dona Ivone está aí, de certa forma serelepe, com 90.
Dona Ivone, não é? Ela já está com 90? Tudo isso?

VP: Mas acho que ela está mais a vontade do que há uns três anos. Eu vi a Dona Ivone muito parada.
Não sei. Eu também fiz coro para ela, era serelepe, dançava e tudo, mas depois ficou mais cansada. Ela botava o Bruno, que é parceiro dela, para cantar, sentava e tirava um cochilo. Mas faz tempo que eu não vejo. Aliás, faz tempo que eu não vejo nada. Fico em Paquetá e acabo indo cada vez menos. Só quando tem serviço mesmo. Com raríssimas exceções.

 

FA: Tem muita gente que trabalha com produção, como música, fazendo isso. Porque está muito chato. Como você estava falando dessa neurose urbana, você tem uma neurose urbana também à noite. Que é um negócio cultural.
Tem. Eu saia, às vezes, ia para a Lapa ou para o CCC (Centro Cultural Carioca), para ver alguma coisa. E aí senta uma pessoa conhecida ao teu lado e  fica falando, falando, você não ouve a música. Quer dizer, ajuda a fazer barulho para o cara que está tocando, para as pessoas que querem ouvir. As pessoas estão assim.

FA: A última vez que eu fui ao CCC, foi no seu lançamento do Samba de Fato. Tinha a maior galera assim. Tanto público como pessoas de música. Nós olhamos assim: ‘Poxa cara! Cala a boca, nem que seja por coleguismo’.
É, amigos de música. E mulher de músico conversa muito, em geral...

FA: Mas elas estão fazendo negócio. Elas estão ali cuidando da feijoada de sábado.
Mulher de músico tem muito assunto. E outra coisa, não pode fumar em lugar nenhum. Aí  eu não me animo para sair não. O trabalho está virando uma tortura mesmo. Vou fazer um negócio agora com o Paulinho, eu pego, vou para o aeroporto, não pode fumar. No avião não pode fumar, chega lá, uma van que não pode fumar, para passar o som, você tem que andar quilômetros para fumar um cigarrinho. Quando você volta, já está com vontade de fumar outro. Está ficando chato.

FA: Quando você chega lá, já está estressada.
Às vezes dá para fumar escondida, mas não é todo o lugar que dá, não. Parece que eu voltei à adolescência.

FA: Quer dizer, o mundo virou um grande colégio interno. Será?
É muita regra. Eu acho que espalhou muito o negócio de evangélico. Então, tudo é feio, tudo não pode. Um pouco de hipocrisia em geral. Porque o fumo faz mal a saúde, mas os hospitais estão caindo aos pedaços. E aí dizem que estão cuidando da saúde dos funcionários. E tem funcionário que fuma, por exemplo, e tem que ir para o lado de fora para fumar.

VP: Mas Cristina, desde os anos que você estourou, nos anos 70 para cá, quais são as principais diferenças com relação ao samba? Que você tem todo esse trabalho com o samba, você foi a maior incentivadora da turma jovem que apareceu. Qual é a diferença que você vê entre os anos 70 para cá, em relação ao samba. O samba ficou mais comportado, ficou mais bonito, se difundiu mais?
É complicado. Porque nos anos 70, tinha muita gente do samba que estava viva e que morreu. Então, por um lado piorou muito. Agora, por outro lado, tem a turma jovem que está descobrindo o samba desses compositores que morreram, que é mais a minha praia. Porque também tem os compositores jovens fazendo samba, tem gente nova fazendo samba. Virou uma certa moda entre a juventude curtir o samba, no bom sentido.  Há um tempo atrás era só no carnaval ou então pagode. Numa rádio que toca só pagode, o samba mesmo, o samba de Paulinho da Viola, do Zé Kéti, do Candeia, você não ouvia em lugar nenhum.

FA: Estava exilado, não?
Estava sumido. E aí tem um monte de gente nova descobrindo samba, grupos se formando, muitos ligados também ao pessoal do choro. Também tem escolas boas de choro. E o cara que estuda choro é o cara que estuda música. Do samba não. Muitas vezes o cara pega um instrumento e sai até fazendo samba, tocando samba sem saber nem quem foi Noel Rosa ou Ataulfo Alves. No choro não. O cara tem que estudar o Jacob do Bandolim, o Pixinguinha, etc. e tal. Então ele estuda. E no samba muitas vezes, ele sabe o básico de harmonia, vai para o botequim e sai tocando.

FA: E sempre acha que a história começou naquela geração.
É, tem aquela troca de discos. E é fácil também na internet, você encontrar esse repertório. Quando eu era nova não tinha essa facilidade, mas o pessoal que estuda mais, que toca melhor, está acontecendo agora.

 

RR: Você acha que isso tem a ver com essa fase, esse processo de revitalização da Lapa? Ou não?                 
FA: O que é que você acha desse processo, também?
Não. O processo de revitalização da Lapa já foi um começo, uma tomada de atitude, de posição, de gente jovem daquela época que agora já não está tão jovem assim. Então, você tinha aquele samba embaixo dos Arcos da Lapa, tinha o samba na rua do Lavradio e tinha o Semente. Era a Teresa Cristina, no Semente, nos Arcos da Lapa era o Marquinhos de Osvaldo Cruz e lá na rua do Lavradio era um antiquário. Um dia era o Dobrando a Esquina, outro dia era o Gallotti. O Gallotti já é um senhor, que vem fazendo isso muito antes desse pessoal da geração da Teresa Cristina.

FA: É que ele colou e acabou misturando com esta outra geração.
E ele é meio o mestre dessa turma aí, o Pedrinho Miranda fala isso. O pessoal começou a se interessar por samba, eu acho, a partir do Gallotti. Até descobrirem que eu existia. Porque você vê, eu estourei em 70, foi uma música que tocou muito...

FA: Foi ‘Quantas lágrimas’.
E depois nunca mais. Aí eu sumi de novo. Embora fosse gravando disco, mas  vieram os fracassos, 76, 78, 80, 81, 85.

FA: Mas são todos discos meio clássicos.
O Gallotti era o cara que ia nos bares tocar. Tinha aquele lá de Botafogo, ia aparecendo uma turma que curtia o samba... Zé Kéti, Monarco,  Moreira, Valter Alfaiate. Ainda tinha muita gente antiga funcionando. Então é isso. E aí vai se alastrando a coisa.

VP: Mas você tem umas gravações dos anos 70 maravilhosas, muito boas. Eu peguei agora, entrando num site para baixar essas coisas antigas que não foram regravadas. Seus discos são fantásticos. E quando eu cheguei aqui, de volta, no Brasil, você era referência. Você diz que não estourou mais, no entanto, ficou sendo a referência.
Era o LP. Muita gente não sabe nem que é LP. Porque aí a gravadora lançou um compacto. E essa música ficou tocando, vendeu muito o compacto. O LP muita gente não sabe, nem ficou sabendo. Quer dizer, a música que tocou muito foi o ‘Quantas lágrimas’ do Manacéia.

RR: E virou um marco, não é?
Virou. Até me falaram na época em que eu frequentava o Barbas, que o pessoal preso escutava, virou até música política, embora não fosse. Então, o pessoal que estava preso ouvia aquilo e ficava cheio de sentimento. Você está sentindo o negócio e a música fala exatamente disso, o outro cara está sentindo uma outra coisa.

VP: E você virou referência. Como é que você explica isso então? Ninguém sabia, mas onde você andava, você era uma referência do samba. Aliás, continua sendo. Eu quando vejo jovem te reverenciar, inclusive a Teresa Cristina quando apareceu, começou a ganhar um nome, ela sempre encostando em você, elogiando você.
É, agora ela reverencia Marisa Monte, Caetano Veloso.

FA: É, mas é a vida. As pessoas têm que ser modernas. A gente é que ainda está aqui. (risos)
Já estamos ultrapassados.

VP: É que agora é MPB, é a fase MPB. Mas no samba você sempre foi referência. E você construiu isso, de alguma forma.
É, mas assim, sem ter essa intenção. As pessoas me procuravam e perguntavam: “Você tem música do Candeia?”, “Tenho”,  e aí dava um monte de música do Candeia.

FA: Mas você muito lá atrás, ia com o seu gravadorzinho, correndo atrás..
Essa coisa do gravador, eu fiz menos do que eu deveria ter feito. Hoje, depois que passou o tempo, perdi muita coisa, se perdeu muita coisa, porque eu frequentei muito a casa do Candeia, frequentei o Teatro Opinião, frequentei até o Orfeão Portugal, que tinha na Tijuca, depois o pessoal da Velha Guarda e tal.

“E eu até tinha um pouco de vergonha de pegar o gravador e colocar. Então, algumas vezes eu levava, não era sempre. E me arrependo. Porque muita gente morreu e assim morreu um monte de música boa. Coisas lindas que eu ouvia e não gravava“.

RR: Mas você tem esse cuidado, de pesquisar, de fazer um trabalho baseado em referências.
É, fui guardando o que eu tinha e também muita gente foi me dando, sabendo que eu gosto disso. Uma amiga que foi na casa do Candeia, em 1970, me deu uma fita cassete, sabe? Essas coisas assim. Como tem coisas que eu gosto e copio para as pessoas, tem coisas que as pessoas gostam e dão para mim, e eu passo adiante. Então hoje em dia, as pessoas me dão mais coisas, porque já esgotou o que eu tinha. Já passei para todo mundo. Muita gente gravou, muita gente não gravou. E aí entra a coisa que é muito importante, que é o Terreiro Grande, lá em São Paulo. Eles me procuraram, uma coisa de homenagem e tal, eu meio que fiquei com aquela preguiça de ir para São Paulo. E  eu demorei, eles me chamaram umas três vezes;  fui na terceira vez.

FA: Insistiram.
Insistiram bastante. Eu fiquei impressionada como eles tinham coisa! E aí é uma coisa que tem mais em São Paulo do que no Rio. Já está começando no Rio, mas em São Paulo eram vários grupos há  três, quatro anos atrás.

FA: Nessa modalidade, nessa forma de fazer?
De ficar fuçando mais na internet e sebo! Discos de conjuntos que ninguém sabe que existiu. Tinha assim, o Walter Rosa com o Picolino, sabe? Uma mistura assim. Porque esses compositores que estavam fazendo disco aqui, se juntavam com outros que estavam fazendo disco ali. Quando eu fui lá conhecer o negócio do Terreiro Grande eram 30 pessoas. Na época se chamava Morro das Pedras, depois alguns saíram e virou o Terreiro Grande, cantando só samba que você não ouve em lugar nenhum. Muita coisa que eu não conhecia, inclusive do Manacéia, que é o cara com quem eu convivi e tinha coisas dele. Eles tinham tido acesso não sei por onde, à coisas inéditas do Manacéia e eles me apresentaram. E quando eu cheguei no Rio, fui à casa de amigos e falei: “Olha, estou aprendendo com paulista, samba de Manacéia”. E as rodas, tocando da maneira que os antigos tocavam, naquele andamento mais lento. E também uma coisa que fez a diferença, quando eu ouvi, como que era a Velha Guarda antigamente. Você escutava as vozes. Quando um cara cantava um samba inédito, ou um samba desconhecido, eu escutava. Porque as rodas de samba no Rio, tinham virado aquela coisa de levar quatro pandeiros desse tamanho, cinco tantãs, todo mundo dando paulada no instrumento; então, você não sabia nem que música estava sendo tocada.

“E quando eu chego no Terreiro Grande, me lembrou a Velha Guarda da Portela de antigamente, que é a que eu frequentei mais, os mais antigos da Mangueira, Império Serrano, que você tem os instrumentos de corda e pandeiro. Um pandeiro ou um tamborim, um surdo, uma coisa assim. Tocando baixo para você escutar o cara que está cantando. E isso acabou. Tinha acabado aqui no Rio. E agora está começando a voltar, eu acho que a partir dessas coisas”.

FA: É um movimento também de retorno.
Desses grupos todos de São Paulo. Que tem o Gabriel, ali na rua do Mercado com Ouvidor. Antes era Samba da Ouvidor. E outras coisas que tem, mas aí não sei, porque não saio muito de Paquetá.

FA: E esse que está acontecendo aqui que as meninas Régia Macedo e Áurea Alves estão organizando?
É, eles vem em geral no terceiro domingo do mês. Eles põem ali um banner em homenagem ao Manacéia e tal. E a última vez que eles vieram, veio a Dona Neném.

FA: Eu vi depois no YouTube. O gravadorzinho dos anos 70, agora é o YouTube. (risos)
Tem muito celular agora que faz isso. E do jeito que está a imprensa, a imprensa não está ruim só na política; na música também. A gente só faz show secreto. Então, tem essa coisa da internet que divulga mesmo; as pessoas ficam sabendo.

FA: Porque o que eles querem são os queridinhos. A imprensa resolveu que no samba é fulana ou fulano.
Eu não mando, mas tem gente que manda, tem sempre gente ajudando, assessoria de imprensa de outros lugares que ajudam e tal. E não é nada, é show secreto mesmo.

RR: Mas apesar de show secreto, você é o maior sucesso.
Pois é, mas graças a essa coisa da divulgação. Aí tem essas coisas de internet, que eu não curto internet...Mas tem o Facebook. os amigos mesmo fazem essas coisas e aí espalha.

FA: Eu vi você bombando lá em Aracajú, com o Paulinho, e o povo gritando: “Cristina, Cristina”  e estava bombando no YouTube. Eu revi essa semana.
Foi a namorada do filho dele, que trabalha na produção que botou.

Veja em http://www.youtube.com/watch?v=Fi8Hz6PfAhQ

FA: Foi um sucesso. Aquilo é uma praia, um estádio?
Foi um show ao ar livre. Uma praia, que eu não estou lembrando o nome, e era uma coisa do PT. Foi a única vez que aconteceu isso. Fiquei encabulada à beça.

FA: E no final ainda teve um debate, se você ia cantar. Porque você tinha acabado de lançar um CD, mas acabou cantando ‘Quantas lágrimas’.
É; o Paulinho pediu ‘Quantas lágrimas’ porque tinha sido um show que a gente tinha feito dez ou quinze anos antes. E pego de surpresa também, o cara não sabe a harmonia,  fica complicado. E ele pegou uma que todo mundo sabia, fica mais prático.

VP: Mas esse negócio com o Paulinho já tem tempo. Havia muitos anos eu estava no Maranhão, se não me engano, encontrei os dois, ou foi em Belém. Fui para um hotel e no mesmo hotel estavam Cristina e Paulinho.
Teve um tempo que eu fiz coro para ele e fazia uma participação especial. Em 89, 90, até 91. Aí ele parou um tempão, depois voltou com um outro show menor, com um grupo mais antigo. O coro é o que ‘roda’ primeiro. Ele fez um show agora, em São Paulo, eu soube que foi um arraso. Aquele show que eu fiquei com pena de não ter visto. Porque ele pegou aquele repertório que não cantava mais, até de outros compositores. E o nosso, está há três anos a mesma coisa. (risos)

FA: Que é o MTV. (risos)
Que é o MTV. Já mudaram algumas coisas, aos pouquinhos vai mudando. Mas a base é aquilo mesmo.

FA: Porque esse aí é o show de trabalho, para ele vender, fazer as coisas. Vai ficar como alternativa.
As pessoas pedem, encomendam isso aí. Quando diz que não dá para pagar, que é muita gente e tal, aí ele tem um grupo menor, que é o grupo antigo dele.


 

RR: Mas Cristina, a gente estava falando desse problema todo que está acontecendo no Rio, e a gente está vivendo um momento de novo governo. Eu queria saber o que é que você espera do governo da Dilma, para a área da cultura?
Eu espero! (risos) Eu espero, porque eu sou paciente. Acho que vai. Eu estou otimista à beça.

RR: Que haja mais incentivos? O que você acha que ela pode fazer de positivo?
A entrevista é para hoje mesmo? Não sei mesmo o que vai acontecer, mas eu tenho esperança. Eu votei na Dilma, fiz campanha e tudo. Não estou desanimada não. Também não estou pensando só na cultura.

RR:  Num contexto geral.
Porque fica cada um pensando na sua coisa e não pensa no geral. Eu acho que o legal é tentar dar um prosseguimento no que foi feito e que a imprensa não diz. Eu por exemplo, fui outro dia no negócio lá do navio do meu pai  e quando você vê a peãozada, que o Lula não conseguia nem falar de tanto que eles gritavam o nome dele, cantavam o jingle da campanha e não sei o quê. É um Brasil que a gente não vê no jornal, que a gente não sabe.

RR: Que não é divulgado.
Por exemplo, o Estaleiro Mauá que estava fechado e aí voltou a mil, com essa coisa da construção naval, da indústria naval, que deu emprego para tanta gente. E essa gente, então, você vê a alegria das pessoas. A mulher que era faxineira que virou soldadora e vai lá, em cima do palanque...

FA: E que está faltando empregada doméstica em alguns lugares. Em São Paulo, na sua terra, por exemplo...
É o que eu ouvi falar. O pessoal está reclamando, o cara queria ser porteiro e quer ganhar o Bolsa Família. Praticamente eles estão querendo que volte a escravidão.

FA: Muitos comentam assim, que não querem ser mais empregados de casa, mas trabalhar nessas firmas de limpeza, que aí trabalha sei lá eu para quem.
É; trabalha numa firma de limpeza, tem carteira assinada, tem horário de trabalho. Então é uma coisa assim, de legalizar o trabalho. A gente sabe mais ou menos como é aqui no Rio e em São Paulo. Imagina como é que é lá no interior, como que é tratado o funcionário de uma casa. É coisa de trabalho escravo, tem de monte. Tem muita gente que está mais feliz.
 
“Então, a minha preocupação não é tanto com a cultura; acho que a cultura é boa até para tirar gente da bandidagem, a garotada para dar aula de música, de teatro, de circo para as crianças carentes. É ótimo. Mas acho que tem outras coisas para ver também.”

RR: Você acha que tem outras prioridades?
Eu acho que isso aí é uma coisa que a longo prazo é ótimo. Mas você não vai conseguir colocar todas as pessoas carentes na cultura. Tem gente que não tem aptidão para isso. Tem gente que tem aptidão para esporte, para trabalhar num banco, para a indústria; para todas as profissões. Então, a cultura é muito boa, mas tem que ver também essa coisa do desemprego.

FA: Também eu acho que na nossa área, tem muita gente que se acostumou no caso da cultura, principalmente quem não precisa, se acostumou com o governo, com os grandes projetos, com as grandes empresas.
E aí tem muita mutreta. Patrocínio, a lei não sei das quantas que dá dinheiro para um teatro, por exemplo. Eu canso de receber uns convites, que são verdadeiros livros. Aquele papel, gasta-se tanto dinheiro com isso. Quer dizer, acho que o dinheiro deveria ser para pagar os atores, a equipe de iluminação, para funcionar melhor. É claro que é legal ter um programinha, é bom, mas eu vejo uma coisa muito assim...

FA: Tem muita gente ganhando no subproduto daquilo; sei lá.
É uma coisa assim, tem verba para isso, tem verba para aquilo. Em geral o artista é o último, o iluminador, o cenógrafo, como é a escola de samba.

“A escola de samba virou uma coisa onde o sambista é o menos importante. O importante é o cara da comissão de frente, o carnavalesco, essas coisas assim”.

RR: O destaque.
O destaque também. É gente que paga para sair, para se destacar. Mas o sambista é um cara já ferrado, menos importante. Mas é o carnavalesco com a equipe dele, o coreógrafo da comissão de frente, tem o coreógrafo do resto da escola. Virou um espetáculo, onde o samba e o sambista são o menos importante. E no teatro, na música, acontece muito isso. Então, tem uma verba grande, vamos mandar fazer programa, gasta tanto em programa, gasta tanto com iluminação, gasta tanto com o figurinista, a roupa e sobra merrequinha para o cara que vai trabalhar todo o dia. Eu já passei por isso em show de música, onde os músicos e os cantores eram quem recebia menos. Tinha uma bolada grande para o cara que faz o programa.

“E a gente vai, uma turma, acreditando naquele espetáculo que vai ser um negócio bonito à beça. Um repertório lindo, músicos maravilhosos e tal. Mas ganhamos muito menos do que se ganharia. Ninguém estava nem pedindo a tabela, mas é um negócio assim, quase humilhação”.

FA: E coisas muito bem patrocinadas.
Com patrocínio, coisa que todo mundo ganhou muito bem e o cara que está lá, todo o dia, tocando e cantando ganhava mais mal em relação ao que se ganha. Porque todo mundo tem o seu preço. O figurinista tem o preço dele, o iluminador tem o preço dele, o cara do som tem o preço dele, e esse preço acabou. O músico, a tabela? Não interessa.

RR: A tabela não funciona.
Você pode pagar isso com esse patrocínio, para esse tipo de espetáculo? Com a estrutura toda montada e aí fala que só pode pagar isso para os músicos?
 
FA: E nem sempre é verdade. Porque quando você escreve o projeto, você tem que colocar exatamente tudo, inclusive o valor do músico, direitos autorais, pagar tabela. Agora, acho que a lei é meio frouxa. Fazem algumas pequenas armações... você não ganha o que você assina, muitas vezes.
O Mauricio Tapajós quando estava no Sindicato dos Músicos, a tabela era respeitada. Hoje em dia é pacote. Eu nunca mais vi ninguém pagar tabela, há mais de dez anos. Só grandes, tipo Chico Buarque, Roberto Carlos, que aí paga. Acho que nem a gravadora paga. Em show eles pagam, gravadora não. Acho que é pacote. Não sei como é que funciona.

RR: Você fez dois álbuns seguidos, com ícones do samba: Candeia e Noel Rosa. Tem algum projeto para esse ano? Já engatilhou alguma coisa?
Não, para esse ano não tem nada. Às vezes aparece alguém com uma ideia assim, aí eu entro nessa. Mas não tem nada, nenhum projeto. Aliás, tudo o que eu fiz, foi porque me convidaram para fazer.

 

VP: Inclusive essa importantíssima entrevista. (risos) Cristina, me diga uma coisa, houve um certo renascimento do samba, nos anos 80. Foi o pagode,  eu digo, o Zeca Pagodinho se lançou, Patota do Cosme, aquela coisa e depois caiu. Aí, lá para o final dos anos 80, início dos 90 teve aqueles conjuntos que faziam um samba esquisito, mais comercial. Porque houve muito debate, na época, sobre o Paulinho da Viola, que inclusive elogiou os grupos e disse que eles conseguiram de certa forma, divulgar o samba para pessoas que não estavam ligando para o samba. Mas depois daquilo, passou também. E aí volta um tipo de samba diferente, de certa forma, um retorno também à raiz. Você acha que aqueles grupos, aquele negócio, teve uma importância? Influenciou?
Eu não acompanhei muito esses grupos. Não sei exatamente de quem você está falando, de que grupos.

VP: Raça Negra, Só Para Contrariar...
Mas acho que o que puxou esses grupos todos foi o Fundo de Quintal. Não foi o primeiro?

FA: Principalmente quando eles do Fundo de Quintal foram  para São Paulo.
Porque hoje tem esse negócio, o grupo faz muito sucesso aí começam outros grupos a aparecer em função disso, quer dizer, influenciados por esse grupo. Se alastra uma coisa que muitas vezes, os caras não têm tanto talento assim e vai piorando. Por exemplo, Martinho da Vila, quando  começou, quer dizer quando começou a fazer sucesso, porque ele demorou a fazer sucesso, começou a aparecer um monte de ‘Martinho da Vila’. E todos sumiram. Ficou ele e ele está aí, até hoje.

VP: Naquele tempo eles dominavam o mercado. Tudo o que você tinha de rádio, divulgação, disco. As pessoas ouviam.
Acho que a partir do Fundo de Quintal, que foi um negócio que fez muito sucesso e aí influenciou muita gente, começaram a aparecer vários grupos, alguns melhores, outros piores e aí vai se alastrando. Tem muita coisa ruim que faz muito sucesso nas rádios, toca muito, tudo muito badalado. Isso aí sempre tem. Um faz sucesso e um monte de gente vai na cola. Ou seja, se você for salvar os caras bem intencionados, não sobra nada.

VP: Mas eu digo pelo seguinte, veja bem, o Zeca Pagodinho foi um sucesso nos anos 80 e depois deu uma caída.
Eu não sei não. Deu?

VP: Deu. Eu me lembro que ir a show do Zeca Pagodinho, precisava fazer força. Por exemplo, a juventude daqui não sabia exatamente quem era. Ele sumiu um pouco dos discos iniciais. Depois dessa onda do samba, início dos 90, aí ele voltou a ter um sucesso, inclusive com a Globo. Começou a ter um sucesso para ser o que ele é hoje, um pop star.
Talvez a Globo antes, não desse muita bola para o Zeca Pagodinho e começou a colocar ele em novelas e essas coisas.  Mas sabe, é que eu sou meio desligada, não sei se ele deu uma diminuída.

VP: Ele virou um pop star, coisa que ele não era.
FA: Do ‘Samba pras moças’, sim. O que o Vladimir está falando de ‘Patota do Cosme’, aquele de 86, 87.

Aqueles mais antigos e depois ele deu uma baixada e depois voltou?

FA: Isso. Aí dá uma sumida. E depois volta com a produção do Rildo Hora , mais final dos anos 90...
É uma coisa que eu não reparei também.

MM: Que isso que é importante, porque quando volta... antes era o Carlinhos, aquela coisa mais compacta e menor. Depois, quando dá essa baixa e volta,  ele já volta com o Rildo, com uma gravadora melhor; um naipe de seis percussionistas, usava sopro. Já aquela coisa toda, que é até hoje e não para de crescer.

VP: É isso que eu queria dizer,  entre a primeira fase do Pagodinho e a segunda, em que ele vira um pop star, teve mudança no samba? A forma de interpretar, os arranjos? Houve mudanças?
Pois é, eu já não sei te responder isso. Nem lembrava dessa coisa, de que tinha mais sucesso e menos sucesso. A referência que eu tenho, o Paulão 7 Cordas, está com o Zeca Pagodinho há bastante tempo. Não sei se desde o começo; acho que não. Lá para 85, ele não trabalhava com o Zeca não, porque ele trabalhava comigo e com o Bolacha Mauro Duarte, direto. Quando tinha show com o Zeca Pagodinho o Paulão Sete Cordas tocava comigo, com o Bolacha, com o Nelson Cavaquinho, com o Zé Kéti. Nos anos 90, que morreu o Bolacha e eu fiquei fazendo show com o Paulinho da Viola e depois fiquei um tempo sem fazer nada e voltei fazendo coisas com o grupo Dobrando a Esquina, eu encontrava o Paulão, de vez em quando.

FA: Aí, nesse caso, não só o Zeca começa a aparecer, mas Arlindo, Sombrinha, o Fundo de Quintal. Já nessa batida dos anos 80, com mais sucesso nos anos 90...
Como eu sempre fui mais chegada àquela coisa do samba antigão, tradicional, não prestei atenção a essa fase. Na coisa do pagode mesmo, tinha até coisas que eu achava bonito e tal, mas não saia atrás. Eu ficava mais envolvida mesmo com o samba mais antigo, ou dos compositores que ainda estavam vivos e que eu acompanhei mais. A turma do pagode, como era outra levada, o negócio do banjo; eu acho aquele troço estridente. Não gosto. E as letras e as melodias também. Claro que tem alguns bons, que fazem melodias bonitas e tal. Mas em geral, era aquela coisa mais para percussão mesmo. E aí nunca prestei atenção. De repente, você ouve um negócio que é bonito, no meio daquele negócio todo, mas eu não tenho disco, sabe? Até do Fundo de Quintal. Hoje, ouvindo Fundo de Quintal, você diz:“Poxa, até que tem troço bonito mesmo”, mas eu não tenho nem o disco. Quer dizer, o Fundo de Quintal lá de trás, lá de antigamente.

FA: Que também podia ser mais comercial.
Com Jorge Aragão. Tinha uns troços mais... que nem é mais a mesma coisa.

FA: Nessa fase, eles todos começaram a pontuar sozinhos, o Aragão, o Arlindo, o Sombrinha. Acho que é nesse momento que o Zeca volta, nos anos 90.  Mas a Rosana perguntou pela revitalização da Lapa, que aí não é só o mito cultural, é a coisa do mito urbano também. Cesar Maia, Conde; naquela época, lá na Câmara, o  vereador Eliomar brigando contra essas coisas.
É um assunto que eu também não posso falar tanto, porque eu não frequento mais a Lapa. Eu vi Dudu Nobre tirando verso ali, na época em que ele era cavaquinista do Zeca Pagodinho, ainda não tinha feito o disco dele e tirando verso, bem à beça ali. Antes do primeiro Trem do Samba, quando o Marquinho de Oswaldo Cruz  estava começando...

“Uma coisa que era assim, emocionante, embaixo dos Arcos da Lapa, o pessoal sem microfone, sem nada, aquela mesona assim, um monte de gente cantando. E aquele monte de gente com isopor vendendo cerveja. Aí ...a reclamação dos donos de casas da Lapa, que o pessoal ia beber de graça na rua e não pagava o couvert nos lugares”.

Aliás, tinha o Carioca da Gema, que vivia lotado, as casas todas que tinham viviam lotadas, e eles não queriam que tivesse gente de graça, na rua. Que não pode se divertir de graça.

FA: Como tiraram outras coisas também, travestis da Mem de Sá, tiraram tudo o que não era “legal”.
As diversões de graça, travestis...

FA: Como espetáculo estético é de graça. Você quer olhar, estava ali passando, naquela confusão toda. Mas os grupos também não entraram nessa onda? Cada casa tinha os seus grupos e os seus meninos, você tinha o Marquinhos para um lado, quem gosta mais de samba mais negro, ou bem mais da Portela. Ou tem esse olhar: “Olha, eu vou para o lado do Candeia e tal”. Embora o Marquinhos  que foi fazer outro tipo de trabalho e acabou não tendo uma carreira como cantor,  mas tem uma organização do Pagode do Trem e outras coisas. A gente achava, naquela época, que seria uma outra coisa, mas foi. Aí veio a Teresa com uma outra onda. Com essa levada mais do samba anos 30. Aí, um monte de gente passa a seguir a Teresa. Quer dizer, na minha leitura, a partir da sua influência.
Aí a Teresa passou para o Carioca da Gema; quando abriu o Carioca da Gema. Porque ela estava antes no Semente. O dono do Carioca da Gema era sócio do antiquário lá Rua do Lavradio, 100.

FA: Nessa revitalização, que eu acho que também não sei se isso foi meio forçado, não sei se alguém pensou nisso. Mas mesmo a nossa amiga Teresa, que está fazendo um trabalho legal, que mudou, mas assim, como o mercado pegou o Zeca: “Vamos fazer o Zeca de novo”, que aí já tem o Rildo, não sei quantos violinos e sei lá o que, também teve: “Olha, tem uma coisa acontecendo, não sei direito o que é, mas tem essa menina aqui no Semente” e eles pegam a Teresa. Não é culpa dela, não é culpa sua, não é culpa de nenhum de nós. Mas teve um momento...
É; teve uma época em que eu ia, às vezes, ao Semente, e era impressionante. Tudo bem que o Semente era pequeninho, mas estava lotado! E a rua, em volta, tinha gente que não entrava e ficava ouvindo do lado de fora.

VP: Grátis.
De graça.

FA: Tomando cerveja no isopor. (risos)
Isso. E ela cantava, tinha algumas coisas que eu tinha passado para ela, coisas pouco conhecidas. Eu lembro dela cantando uma música inédita do Aniceto,  o irmão do Manacéia, não o do Império, o da Portela, e eu olhava e estava todo mundo cantando com ela. Quer dizer, ela cantava tanto essa música, que o povo que ia lá, já sabia. E aí eu ficava pensando assim: “O fantasminha do Aniceto aqui, ia ficar feliz à beça”, um cara pouco conhecido. Na Portela era dos compositores menos conhecidos. E tem uma menina nova, cantando uma música dele, com o povão inteiro fazendo coro junto.

RR: Ela popularizou.
Por sinal, ela nunca gravou essa música. Eu achava que ela ia fazer um disco cantando as coisas dela e as coisas desses compositores,  baseado no repertório dela, do Semente ainda e do começo do Carioca da Gema, quando apareceu. Mas enfim, foi aconselhado, o cara sugeriu fazer um CD duplo. Ela estava doida para fazer o disco e tal, e fez.

 

MM: Eu ouvi muito isso que você falou, dessa forma de música que ninguém cantava. E naquela época, a gente já ouvia um burburinho: “Que alguém pegou com a Cristina. A Cristina indicou para alguém”, depois de um tempo, o próprio Pedrinho e o João Calado começaram a fazer isso com o pessoal que estava vindo. Que aí junta o pessoal da escola de choro, que na maioria são os harmonistas, os músicos, desde a primeira escola de choro que teve, que é um sucesso e essa galera ainda não tinha acesso. Porque você deu uma coisa para a Cristina, o Pedrinho pegou uma coisa com o Moreira, aí junta e continua um pouco essa troca.
É isso que é legal; que é a troca. Não tem aquela coisa que tinha antigamente, do cantor que tem uma coisa e não dá para ninguém.

MM: Exato.
Isso acontece.

MM: Não tinha  essa coisa da internet.
Não, não. Cantores mesmo. Que os compositores chegavam para eles, iam nas casas deles, cantavam a noite toda, o cantor gravava a música e tal, sentava em cima e não dava para ninguém.

FA: Nem gravava, nem passava adiante.
É; isso acontecia. E essa geração não. É uma geração mais generosa,

“Eu não vejo muita competitividade nessa geração. Acho que todo mundo é amigo de todo mundo”.

VP: Você ouviu o último disco do Nei Lopes?
Não, não ouvi não.

VP: Quer dizer, não são só os jovens que você não escuta. Você veio para Paquetá e não está escutando quase nada.
Você sabe, eu não compro mais disco há muito tempo. Alguns que eu comprei de gente que eu gostava há um tempo atrás, não gostei. Às vezes fico sabendo que tem um disco e tal, mas não chego a ponto de querer comprar. Em geral, não vou gostar do arranjo, não vou gostar de... mas Nei Lopes é um super compositor.
 
VP: Eu achei interessante, eu e meu genro discutimos, não é notável, mas ele tenta valorizar o sopro. Acho que ele está sob uma certa influência da música cubana...
Depende muito do arranjador e até da gravadora. Tem gravadora que diz que não pode ter sopro, porque não tem dinheiro para isso. Tem gravadora que te chama para fazer um disco e parece que você está fazendo um favor, diz que o orçamento não dá para fazer. Primeiro te chama para fazer o disco, depois te proíbe de fazer tudo. Então às vezes nem parte do Nei Lopes, parte da gravadora ou do arranjador.

VP: Mas no caso do Nei, eu acho que não, inclusive, um dos sambas que ele toca é um samba que valoriza o sopro.
Aí tem que ter o sopro... Agora eu fiquei curiosa.

VP: Eu achei um disco diferente. Não é que tenha nada genial, mas ele é muito mordaz, é um pouco conservador nas letras, reagindo muito aos modernismos. Mas o disco do Nei Lopes é bom. Já o disco da Sanny Alves, que é a cantora que ele abre uma faixa nesse disco, não é. O arranjo é muito antigo. No disco do Nei Lopes ela canta uma faixa e aliás, canta muito bem. Depois, ela lançou um disco próprio, também do Quaresma. E eu acho que o disco não correspondeu a expectativa que ela criou, na faixa do Nei Lopes.
Para você ver como eu estou por fora. Não sei quem é Sanny. Estou por fora mesmo. E essas cantoras que tem hoje, eu ouço e não sei distinguir uma da outra. Acho que para todo o mundo a Marisa Monte é o modelo. Todas procuram cantar como a Marisa Monte.


VP: Por exemplo, o pessoal está gravando Batatinha. De repente você vê gente gravando disco nessa base. Então, você tem cantoras novas, inclusive tem uma que fez o disco remendado, uma parte em São Paulo, uma parte em Brasília, uma parte no Rio, onde se vê que foi um esforço para poder chegar a gravar. Mas, ao mesmo tempo, tem o Roque Ferreira, que está sendo muito gravado por todo mundo, mas tem muita gente gravando Batatinha. Então, você tem coisas gravadas bem antigas, o que é interessante. Essas cantoras novas, todas elas, cantando coisas desse estilo.
Ah, é ótimo.Eu ouço gravações mais antigas, eu sei te dizer se é uma Clara Nunes ou se é uma Clementina de Jesus, se é uma Beth Carvalho. Agora hoje não. Hoje é um pouco todo mundo cantando do mesmo jeito.

VP: Mas agora tem umas quatro ou cinco, que estão gravando coisas antigas também.
Estou um pouco por fora, realmente. Você mesmo perguntou se eu tinha ouvido o Nei Lopes. Cantor novo então...  Eu ouço cada vez mais o repertório do pessoal do Estácio, dos antigos do Estácio, dos antigos da Portela, essas coisas que eu tenho escutado mesmo. Ouço muito choro, disco novo de choro é bom. Choro sim. Acho  que tem gente de talento fazendo choro e gente de talento gravando choros antigos e inéditos também. Porque aí tem a coisa da partitura. Isso tem.

VP: O Marcos Sacramento disse que os cantores brasileiros são desprezados, que só falam das mulheres. E disse que tem excelentes cantores. Você acha que os cantores brasileiros se igualam às cantoras. Em particular, isso é, no samba?
Em número eles são muito menos. Mas o Sacramento é ótimo e tem outros cantores, Pedrinho Miranda é ótimo, Alfredo Del Penho é ótimo, Pedro Paulo Malta. Estou te falando dos que eu conheço, não vou sair chutando nomes que eu não conheço, são cantores muito bons. Moysés Marques canta muito bem. Agora, não conheço todo mundo.  Mas, te falei quatro ou cinco e mulher acho que tem umas vinte. As gravadoras investem mais em cantoras, aí mandam ela botar florzinha no cabelo, uma roupinha assim e tal. E o cantor não tem muita graça.

“Cantores não se empenham tanto. E é uma pena, porque tem grandes cantores que estão lutando. O Pedrinho Miranda é um, que fez um disco lindo”.

VP: O segundo do Pedrinho qual é?

MM: É Pimenteiro.

VP: Ah, então eu não tenho o primeiro, eu tenho só o segundo.
Eu particularmente, gosto mais do primeiro. O primeiro é muito, muito bom. O segundo é legal também, mas já gosto mais do primeiro. Mas ele canta muito bem. Ele é um ator; é tudo.


MM: Ele tem palco, ele tem carisma, ele é simpático; ele é debochado na hora certa, no limite certo.
Ele é debochado na hora certa e é uma figuraça também. Alfredo também é muito bom. O Pedro Paulo está mais no negócio do Sassaricando I, Sassaricando II, ele sozinho também não fez. Mas o Alfredo é muito talentoso, toca bem, canta bem, faz arranjo bem, fez esse ‘Samba de fato’.

VP: O Roque Ferreira é o sambista da moda. Você gosta dele? Também tem a Mariene de Castro...
 O Roque Ferreira não é novo; é mais ou menos da minha idade. Mas demorou a aparecer, não é? Ela tem mais ligação com o pessoal da Bahia e tal. Acho que das vozes novas, a que eu gosto mais é da Mariana Bernardes.

VP: Mas ela tem voz mesmo.
Ela tem uma voz linda, um timbre metálico. Acho que ela herdou um pouco a flauta e o sax do pai dela, e a voz dela é metálica. E canta cheia de sentimento. É lindo ela cantando.

MM: Ela participa do Anjos da Lua, com o Gallotti.

VP: Foi no Anjo da Lua que eu a vi, a voz dela é muito marcante mesmo.
Orquestra Republicana.E participou com a gente no ‘O samba é minha nobreza’, tocando cavaquinho e cantando. Mas ela canta com um timbre lindo!

MM: Bom lembrar do ‘O samba é minha nobreza’. Que a partir dali, muita coisa ajudou ao pessoal novo a ouvir...
A ideia do ‘O samba é minha nobreza’ veio da turma da Lapa. O Hermínio viu a Teresa Cristina, viu o Pedrinho Miranda, viu os lugares abarrotados de gente...aí ele pensou assim: “Eu posso fazer o Rosa de Ouro nº 2”  e aí eu falava para ele que aquilo não era o Rosa de Ouro nº 2, porque o Rosa de Ouro nº 1 tinha compositores. Era o Paulinho da Viola, Nelson Cavaquinho, Jair e Elton. Aí entrou no dois, o Nelson Sargento. Compositores que eram na época novos, cantando os sambas deles, e, ao mesmo tempo, aquelas coisas antigas. Eles cantavam coisas antigas e tinha também Araci Cortes e Clementina de Jesus.

VP: E o show era primoroso. O show mais bonito que eu vi na minha vida.
Embora o Hermínio quisesse vender como Rosa de Ouro nº 2, não era. Era uma coisa de cantores novos cantando sambas antigos. E esses cantores novos que já estavam cantando, não era a revitalização da Lapa ainda, estavam no Semente. O Pedrinho, ele viu o Pedrinho em cima de um caminhão cantando e ficou vidrado.

 

E aí arrumou um espetáculo e chamou o Paulão e eu na casa dele: “Quem é a turma nova aí?”. A gente indicou Pedro Paulo, Mariana, Teresa Cristina.  A Nilze (Carvalho) morou muito tempo fora do Brasil, quando ela voltou, a Teresa Cristina gravou o disco, mas não participou do espetáculo. Então, a Mariana sugeriu a Nilze para substituir a Teresa Cristina.

MM: Eu lembro que era muito cansativo. Que enchia na hora do almoço, tinha escola...
Tinha dias que a gente fazia duas apresentações. Uma às nove da manhã e outra meio dia. Tinha outro dia que era meio dia e duas da tarde. De segunda à sexta. Foram três meses, cinco dias por semana, sete apresentações por semana, mas divertido. Eu fiquei com pena quando acabou. Eu pelo menos que acordo cedo, achava divertidíssimo, pegava o metrô, ia para o centro da cidade.

FA: Virou meio que um ponto de encontro, naquele período.
Foi um mês de ensaio, três meses de show. Sendo que a gente tinha ensaiado um mês para fazer o disco, ainda. A gente ensaiou em dezembro, para gravar em janeiro, descansou fevereiro, para março começar a ensaiar. E foi de abril a junho.

VP: O disco também é muito bom.

FA: O disco é maravilhoso.
É lindo, mas foi assim, baseado na turma nova que estava aparecendo, cantando sambas antigos. Eu lembro do  Pedrinho Miranda, cantando aquele repertório da Clementina. Ele saía imitando um orangotango, pulando assim, de brincadeira. (risos)  Isso foi palhaçada, na hora do show a gente fazia direito. A gente fazia um monte de brincadeiras.

VP: Vocês ressuscitaram muitos sambas ali.
No último dia de show, eu botei uma roupa de palhaço, no palco. (risos) O pessoal cantando lá na frente e eu com um saquinho. Aí comecei a enfiar aquela calça, tinha peruca, tinha tudo. E o Pedrinho do meu lado, olhando. E ninguém sabia de nada. Aí ele sacou o que era e começou a ajudar. Era o último dia... porque tinha essa tradição antigamente, dia de enterro. Hoje em dia não, porque você faz dois dias de show. Mas quando você tinha uma temporada, o último dia era dia de enterro. Então, você fazia bagunça. A gente trocou a música que a Dona Ivone dançava lá, um samba da Mangueira.

FA: Falando em Mangueira, não sei se você chegou a ter um projeto, não sei se eu estou inventando memória a meu favor, mas tinha algum projeto com o Zé Ramos, não tinha?
Exatamente. Nós fomos à casa do Zé Ramos e acho que foi o disco do Chico, na Mangueira. Ele falou: ”Vamos ver esse negócio”, e eu também tinha essa vontade. O Zé Ramos é um compositor mangueirense, que pouca gente conhecia. Mas ele não tinha mais muita coisa não, ele falou que passou a vida toda trabalhando para sustentar a família. Esse negócio de ir para a boemia, de cantar, não era muito com ele não. Então fez pouca coisa, mas as coisas que ele fez e que foram gravadas são maravilhosas: Jequitibá do Samba, Capital do Samba. Todos os sambas dele são lindos.

FA: Mas aí ele morreu, um ou dois anos depois, eu não sei.
Morreu um pouco depois. Primeiro morreu a mulher dele e ele, logo depois. Teve uma história engraçada quando a gente estava lá. Ela era uma estátua na cadeira, tinha alguma doença assim, e ele falava: “Não é, meu bem?”, e ela parada. Mas ela não ria, não abria a boca. E ele conversando como se ela fosse uma pessoa que estivesse participando. A gente achou estranho, mas depois foi acostumando. O sofá cheio daquelas almofadas verde, rosa, dourada e numa hora, alguém levantou e caiu uma almofada no chão. E aí se ouviu uma voz: “Pegue a almofada!!!!”, era ela. (risos)

FA: Ela passou 48 horas organizando? (risos)
Aí, um pegou a almofada, o outro o telefone: “Vamos embora”, porque foi um susto. Ela falou com uma voz que era um estrondo: “Panha mufada!!!”. Ele não viajava para ficar cuidando dela mesmo, dava banho e tudo. E aí, ela morreu e acho que ele perdeu o sentido da vida dele.

FA: E aí esse projeto não rolou, mas está aí.
Está aí. Foi filmado. Foi Cabelinho, Inês Perdigão, eu. Eu lembro que a gente foi a casa dele, a gente já tinha ido antes, conversado, visto quais eram as músicas. E aí foi filmado. Eu não vi o resultado.

FA: Porque as escolas de samba são bem safadinhas. Quando elas vão revitalizar ou fazer uma memória, no caso da Mangueira vai ser o Cartola; talvez o seu Carlos Cachaça. Pronto. No caso da Portela, vai ser Candeia ou alguém assim, o Paulo da Portela que é obrigatório...
Se falou em Paulo da Portela, mas depois sumiu essa história. Falaram que ia ser isso. A Portela, tem hora que eu penso que é melhor ir logo para o segundo grupo, para ver se dá um tranco! Porque não pode ficar nessa história. Quando a Portela vai vem, ela vai bem, mas não por merecimento.

“A Portela não está fazendo uma coisa bonita, uma coisa histórica. Essa escola, que tem essa  história, aqueles compositores, fazendo sambinha de segunda.  A escola que teve o maior número de grandes compositores, sem a menor dúvida é a Portela. E hoje? E a história da Portela, como é que fica?”.

FA: Eu acho que é ruim para o samba, ruim para a nossa história, como carioca; para quem gosta de samba...

VP: Em número, a Portela sempre foi maior que a Mangueira.
Não em fama. Os compositores todos, os importantes da Mangueira, são mais importantes do que todos da Portela. Mas você vai ver quanto samba bom que teve? Ou levantava o moral do portelense, ou não. Também porque o portelense que frequenta a Portela hoje, nem sabe quem foi Clara Nunes. A escola de samba Portela, não divulga os seus.

RR: Não se preocupou em resgatar o passado.
A própria escola, aquela feijoada que a música é um volume insuportável. Uma vez eu saí daquilo, quando eu cheguei no Méier eu ainda estava escutando o som do Portelão.

FA: Mas é o projeto de memória deles. (risos)
Era a feijoada que o Marquinho de Osvaldo Cruz organizou com a velha guarda da Portela. Quando começou a dar certo, o presidente, comandante, doutor... foi lá e tomou da velha guarda. Talvez seja a única saída deles. A velha guarda já não é mais a velha guarda. Já morreu todo mundo.

FA: Eu estava vendo uma foto um dia desses, e na verdade, só tinha o Monarco...
O Casquinha, porque  tem trombose, está com dificuldade de andar. Além de ter pressão alta e aquela coisa toda, ele é enorme e tem problema no joelho. Não dá. Ele participou de um show com o Paulinho da Viola que tinha a Velha Guarda. Estava cantando ‘Foi um rio que passou em minha vida’. Um estúdio de ensaio, que tinha que subir um monte de escada, levaram o Casquinha para subir aquilo tudo, já desse jeito, para ele ensaiar ‘Foi um rio que passou em minha vida’. Deixa o cara em casa. Não se respeita mesmo.

VP: Me diga uma coisa, tem uma volta ao samba tradicional, num certo sentido. Mas o samba era um pouco ligado à formação cultural do Rio de Janeiro, adaptação,  criação,   que alguns dizem que foi a partir da Bahia, mas ele representou muita resistência. Outro dia vi um desses vídeos sobre história do samba, um show de não sei de quem, que dizia:  “Ah, você foi preso?” – “Fui uai.” – “Foi preso por quê?” – “Porque tocava samba, tocava violão”. A aquilo era um pouco a expressão da cultura dos setores mais pobres da população. Você acha que isso é o caso ou é o funk que hoje é a expressão da cultura popular?
Hoje, eu não digo que seja cultura, mas a expressão, talvez, da cultura popular é o funk. O funk é onde junta mesmo aquela massa de gente, que vai dançar. É o funk.

FA: O que é que mudou? Mudou o povo, mudou a forma de expressão, mudou a política?
O funk não precisa ter melodia. O cara não precisa ser melodista. A letra é aquela tatatatá, que mais...

VP: Mudando por letras mais... que à época era diferente mesmo; pelo menos do ponto de vista das letras, mas não foi o samba, não é? O samba que era um certo território dele, como ele se comercializou na escola de samba, no desfile de carnaval, virou uma coisa muito institucional e talvez por isso, não encarne a rebeldia da juventude. Aquela tensão com a criminalidade, o mundo de violência ali, o samba aparece como se fosse uma coisa mais oficial.

FA: Será que o jovem da Serrinha, por exemplo, está tendo muita violência lá no momento. Na semana passada, no mês passado era na Serrinha, aqueles jovens da Serrinha devem se reconhecer no funk e não na Escola de Samba Império Serrano?
Talvez alguns. É que tem lá o Movimento do Jongo. E a rapaziada ligada ao Jongo, do  Império Serrano é séria. Não sei também se é o Jongo como era. Eu ouvi a Dona Ivone Lara falar que criança não dançava o Jongo. É uma coisa ligada a religião e eles tinham muito respeito. Não sei como é que é hoje. Eu acho que não segue mais essa tradição, e não sei se isso é bom ou ruim, também.

“Eu acho que, no geral, no geral, as pessoas emburreceram muito. Então, não se faz mais música bonita, letra bonita. O funk é uma coisa mais fácil de fazer. Você fala um monte de palavrão, é uma coisa mais fácil. Hoje se fala a linguagem das pessoas conversando e bota ali o cara falando”.

RR: Estrutura melódica, arranjo...
É. Agora, que é uma coisa popular, que todo mundo está ligado a isso... também é muito ritmo. Eu acho que há bastante tempo o ritmo está tomando conta da música. Acima da letra, da poesia e da melodia.

VP: Ah, isso é um retrocesso.
Isso é um retrocesso. Não sei retrocesso para onde. Não sei quando que o ritmo foi mais importante, mas é uma coisa ruim. Porque eu acho que está se emburrecendo muito, as pessoas não estão mais sendo exigentes. Por exemplo, você pega os sambas dos anos 30, anos 40, você tinha tanto compositor bom, com música boa, que o cara só ia mostrar uma música numa roda se fosse boa, entendeu? Se ele mostrasse uma coisa ruim, ninguém ia dar bola. Então, o cara que não tinha talento, não acontecia nada. E cara bom mesmo, muito bom, nos anos 30 e 40, tem de monte! De monte! Não é só Noel Rosa, Wilson Batista e Geraldo Pereira não. Você tem muita gente boa.

RR: E você acha que, por esse motivo você fica tão ligada a essa parte de pesquisa do samba, do resgate desse samba que é bonito?
É, eu não renovei a minha orelha. Se fala um monte de gente que eu não sei. Não vou dizer: ‘Ah, é uma droga”, mas não ouvi falar de ninguém tão espetacular como Pedro Caetano, por exemplo. Não tem. Nunca ouvi falar em compositor de samba tão bom como Pedro Caetano era e não é conhecido. O cara genial. Você vai ouvir as músicas dele e vai dizer: “Ele fez isso? Também fez isso?”, você conhece as músicas. Aí você vai ver o que é que ele tem de tão maravilhoso que você não conhece. E aí tem essa coisa da burrice que eu acho, que todo mundo ficou mais burro. A imprensa é burra hoje, completamente burra.

FA: O jornalista é mal formado.
Mal formado, assim como o médico. Então, o emburrecimento está assim na música e em tudo no geral. E essas coisas de seguir regrinhas, se é feio, se é bonito, se pode, se não pode. Principalmente o ‘se não pode’. Não pode nada mais. Tudo é proibido, muita hipocrisia. O burro tomou conta.

FA: Falando das nossas cantoras, você sabe que não tem como eu não perguntar da Aracy.
É a maior de todas. Aracy de Almeida e Ciro Monteiro.

FA: Sim, aí fechamos.
Aí melhorou. Está puxando a sardinha para a brasa dele. (risos)

FA: As duas sardinhas. A minha pergunta era mais assim, se a Aracy e a Elizete Cardoso estivessem vivas agora, nesse momento, você imagina que espaço elas teriam nesse momento? Claro, elas estariam com 90, as duas. Dona Ivone Lara está com 90.
Vamos supor que elas não estivessem com 90, que estivessem com 70. Eu acho que seria uma coisa de alguém dizer assim: “Vamos ser bonzinhos com a coitada que está lá largada”,  por mais que elas estivessem em forma, com o velho, você faz propaganda de você mesmo: “Olha como eu sou legal com o velho”.

“O talento é o menos importante. O mais importante é a vaidade. A vaidade hoje é o que predomina”.


FA: Talvez a Elizete tivesse um pouco mais espaço, porque é a dama, a elegante.

VP: Eu não acho mesmo. Você sabe que eu sou fã número um da Elizete. Mas eu acho que tem certas músicas que... chega a doer. Eu não gosto nem de ouvir muito, ouço uma vez ou outra. Mas dói.
Aquele outro, do Ary Barroso, também. Você vê que ela estava, no final da carreira, ela estava conseguindo.

VP: É diferente. Porque se eles fossem a continuidade da Elizete é possível que tivesse alguma coisa. Mas se fosse uma Elizete que aparecesse agora, eu não sei se...
Não; aí não. Nos dias de hoje, uma cantora maravilhosa, que cante o repertório alinhado com a Elizete Cardoso é uma pessoa que ninguém quase conhece, que é a Áurea Martins. Ela faz o show e quem vai lá são os fãs que conhecem. Vão lá: “Ah, que maravilha. Ninguém canta como a Áurea”, e acabou. Foi embora para casa e todo mundo esqueceu de novo.

VP: E não emplacou, não é?
Não emplaca.

VP: Enfim, a nossa situação não evoluiu desde aquele dia lá na Cobal de Botafogo, quando nós discutimos os maiores sambas de todos os tempos. Parece que não ia entrar samba novo, de lá para cá. E continuamos atrás de fundos para fazer aquela gravação com a Cristina, que ela gravasse os 500 maiores sambas do Brasil.

FA: Vamos ligar para a Dilma. (risos)

MM: Vai ser muito mais caro do que naquele tempo. Agora tem que trazer tudo para cá. Tem que trazer estúdio...
Ah, tem que trazer tudo para Paquetá.

FA: Com esse projeto vai ser mole. Pagar barca para Paquetá.
E estúdio hoje é muito mais fácil.

VP: Que pagar barca, vamos alugar uma barca. (risos)

FA: Vamos fazer a Barca da Cristina.
Já tem uma barca aí. Volta e meia uma pifa e fica por aí.

VP: Vamos fazer um negócio turístico. A Cristina vai gravar na barca...

FA: O que é legal é ver uma família de intelectuais virar uma família naval. (risos)