ENTREVISTA

10 - Julho - 2010

Vladimir conversa com o coordenador do Laboratório de Hidrogênio da COPPE

        

Vladimir conversa com o professor da UFRJ, Paulo Emílio Miranda, responsável pelo protótipo do ônibus de hidrogênio, que passará a circular na Cidade Universitária até o fim do mês de julho e com previsão de operar em linha regular no Rio até o fim deste ano. Para o professor, que coordena o Laboratório de Hidrogênio da COPPE, essa é a tecnologia do futuro. A equipe que trabalha com Paulo Miranda nos mostrou os sub-laboratórios que funcionam no local, como os de engenharia de superfícies, pilha combustível, detectores de hidrogênio, entre outros.
 
[Site do Vladimir] A gente estava conversando com a sua equipe, sobre essa questão das empresas estarem agora patrocinando com mais freqüência projetos nas universidades.
[Paulo Emílio Miranda] Para dizer a verdade, a reação às empresas ainda é marcante. Ontem mesmo eu estava numa reunião na FINEP, quando propus uma certa coisa para eles, e eles disseram: “Não, isso não nos interessa. Isso é como MDIC”.  Quer dizer, não tem uma percepção talvez clara até onde ir, porque se um fica muito na parte de trás e o outro muito na parte da frente da atividade, então não tem o meio do campo que faça a coisa deslanchar realmente, não é? Mas acho que tem melhorado muito. Pelo menos já não é como há algum tempo atrás, que falar de empresa na academia era um problema. Nós que já temos uns cabelinhos brancos, podemos falar essas coisas. Em 1986, eu comprei o meu primeiro computador pessoal para usar aqui, na universidade. Pude comprar isso porque fiz projetos para empresa e consegui ganhar dinheiro com projeto através da universidade. E aí foi uma grita geral no meu departamento, porque era um absurdo um professor ter um computador só para ele.
O computador ficava na minha sala aqui, na universidade. Não era para levar para casa, entendeu? Só que ninguém tinha computador pessoal.  Mas o que eu quero dizer, é que eu não pude dizer que tinha comprado aquilo com dinheiro resultante de uma interação com uma empresa, porque senão o problema teria sido muito maior. Na década de 80, a interação empresa e universidade era algo mal visto. Uma época em que os Estados Unidos colocavam para as empresas que tinham tecnologia, entre 100 mil a 700 mil dólares por negócio em várias fases, incentivando as empresas a trabalharem com as universidades. Mas hoje isso mudou muito.
 
"Eu acho que o Brasil é um país que permite essas coisas. Mudanças radicais assim. Hoje em dia é ao contrário, está havendo um boom de patentes nas universidades brasileiras".
 
Por exemplo, aqui nesse laboratório, nós temos uma penca de patentes. E a maioria delas resultantes de trabalhos com empresas. Então, foi uma mudança muito, muito grande. Eu acho que até hoje nós estamos à frente de outros lugares, que há algum tempo atrás achavam que tinham uma boa interação com empresas.  Para você ter uma ideia, nós temos aqui na COPPE um órgão chamado Fundação COPPETEC. A Fundação COPPETEC hoje fatura mais de R$ 200 milhões por ano com projetos com empresas. E deve ter em andamento hoje, qualquer coisa na ordem de mil projetos. Para você ver a força que isso ganhou. Então, acho que mudou muito.
Agora, a gente não faz só projeto com empresa. Há pesquisa básica sendo realizada. Por exemplo, você está aqui, em frente a um laboratório que a gente desenvolve detectores de hidrogênio. Eu não tenho nenhuma verba orçamentária para essa pesquisa. Mas eu tenho dinheiro suficiente de outros projetos, que me permitem fazê-la. E essa é uma pesquisa que começa com desenvolvimentos teóricos de física quântica, para chegar numa aplicação prática de um detector de hidrogênio.
 
"Então, às vezes é difícil você conseguir dinheiro para um desenvolvimento tão básico, tão fundamental".
 
O Governo tem aumentado o dinheiro para vocês?
A disponibilidade de dinheiro para pesquisa aumentou muito no Brasil, a partir da criação dos fundos setoriais. Não sei se você conhece os fundos setoriais? Hoje existem doze ou quatorze que são geridos pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, principalmente através da FINEP. Então, a FINEP hoje deve investir algo da ordem de R$ 2 bilhões por ano em pesquisa científica e tecnológica, através desses fundos setoriais. Isso mudou completamente o investimento em pesquisa e desenvolvimento no Brasil. Por exemplo, há  20 anos atrás, se a gente tinha um projeto do CNPq de R$ 50 mil por ano, era uma alegria. Hoje em dia, nós falamos em projetos de R$ 1 milhão, R$ 2 milhões. Então, mudou o patamar, houve um progresso muito, muito grande, em investimento em pesquisa no Brasil não só pelos fundos setoriais, mas por causa das fundações de amparo à pesquisa. Então, a FAPERJ aqui no Rio, a FAPESP, em São Paulo, a FAPEMIG, em Minas Gerais, os estados passaram a angariar dinheiro para investir em ciência e tecnologia.
 
A FAPERJ melhorou também?
A FAPERJ melhorou bastante. Ainda não é uma fundação que investe tanto como uma FAPESP, por exemplo, mas ela já investe mais em pesquisa no Rio. E eu acho que tem uma tendência de melhora. Passou por um período em que o dinheiro da FAPESP tinha investimento digamos assim, em educação, mas não realmente pesquisa. Muito dinheiro foi investido na UENF _Universidade Estadual do Norte Fluminense_ na época que estava começando, mas agora já começa a ter uma disponibilidade.
 
Houve uma descentralização, não é? Começaram a pulverizar o dinheiro. Muita gente recebia para poder fazer pesquisa, o que tirava o impacto do apoio que eles davam.
É, mas essa pulverização também tem prós e contras, não é? O CNPq por exemplo pulveriza o dinheiro para investimento em pesquisa no Brasil e se de um lado, isso permite que um grupo pequeno que está numa instituição afastada consiga um dinheiro para fazer pesquisa, por outro lado não permite que um grupo mais bem estabelecido se desenvolva mais rápido, entendeu? Então, tem prós e contras.
 
Mas essa questão, que as universidades brasileiras em geral atuam juntas, reitores se unem para ir ao Ministério da Educação fazer demandas. Você acha correto, por exemplo, que todas as universidades, sejam de pesquisa? Porque essa pulverização corresponde a uma política em geral, no Brasil, por sucessivos governos. Eu sou de Alagoas, então, a Universidade de Alagoas vai pedir mais ou menos a mesma coisa que Pernambuco? Para graduação, pós-graduação, doutorado, laboratório? Isso não é meio irracional? Você tem aqui, por exemplo, entre universidades públicas, UFF,  UFRJ, que às vezes fazem a mesma coisa.
Mas a questão de fazer a mesma coisa também não é grave não, sabe? Porque eu acho que as pessoas têm o raciocínio de não repetir os mesmos esforços em locais diferentes. De certo modo isso faz algum sentido, mas por outro lado a gente também tem que dar oportunidade. Em ciência e tecnologia é muito importante dar oportunidade, porque tem um grupo aqui trabalhando com o tema ‘a’, se a gente acha que é só aquele grupo que deve trabalhar com o tema ‘a’, de repente a gente perde a oportunidade que um grupinho aqui trabalhando com aquele tema ‘a’ consiga uma saída, que aquele ali não conseguiu. Então, por isso que eu acho que não tem muito problema.
 
Pois é, mas você não acha que nem oito nem oitenta?
Talvez.
 
Eu digo mesmo na formação. Toda a vez que você tem dinheiro para a universidade e joga dinheiro fora... O reitor da UFF uma vez me disse: “Nós temos aqui um curso de grego, na graduação. Seis alunos”.  A UFRJ tem um curso de grego com seis alunos, ou seja, você tem uma estrutura duplicada, absolutamente sem sentido. Ou senão, porque você não desconcentra a formação de profissionais, mas investe de uma forma mais seletiva, ainda que não seja num canto só, não é um monopólio. Na pesquisa, por exemplo, não sairia para o Governo pagar bolsas de estudo, entendeu?
Eu não sei se essas racionalizações são fáceis de serem conseguidas. Porque afinal de contas são universidades diferentes, o espectro que elas atingem de camadas da população, muitas vezes é diferente. Não sei. Não é muito simples, eu acho, esse tipo de racionalização.
 
Me diz uma coisa, mais ou menos quando que o orçamento da universidade aqui começou a aumentar? Você disse que antes, esses investimentos eram menores?
Ah, isso eu diria que tem menos de 10 anos.
 
Para fazer esse projeto do ônibus de hidrogênio, que é um projeto triplo, com ônibus elétrico e a álcool, você priorizou o ônibus de hidrogênio para ser o primeiro?
Sim, nós começamos pelo que tinha de mais complexo, para depois ir para os mais fáceis. Então, a tecnologia do ônibus a hidrogênio é a tecnologia mais complexa, dentre todas essas que nós estamos trabalhando e mais cara também.
 
 
   
                                                                 
    
 
E porque você priorizou esse projeto que era o mais caro? Eu estava lendo que ele é cinco vezes mais caro que um ônibus convencional.
Mas entenda isso de uma maneira diferente. Não é que ele seja e vá continuar a ser cinco vezes mais caro que um ônibus convencional, não. É porque um dia um repórter me perguntou quanto é que custou esse ônibus, eu disse quanto tinha custado e ele me perguntou quanto era um ônibus convencional, comparou e deu um valor grande. Agora, entenda uma coisa, nós produzimos um veículo, um protótipo. Tudo o que foi produzido dele, foi produzido à unidade e artesanalmente. Então, é claro que isso tem que ser mais caro do que uma coisa que é produzida aos milhares e há muito tempo. Imagina o seguinte, na cidade do Rio de Janeiro tem quase nove mil ônibus rodando, no estado do Rio tem cerca de dezessete mil ônibus rodando, então esse é um produto que é fabricado em larga escala. Você não pode comparar o preço dele com uma única coisa que você faz diferente. É certo que, mesmo um veículo de alta tecnologia como o ônibus a hidrogênio, se é produzido em larga escala o preço dele vai cair.
 
           
 
         
 
E há proposta já, nesse sentido?
Já tem. Eu ia te dar um exemplo, se você foi a um  “Casa Cor”  há vários anos atrás, deve se lembrar de ter visto uma TV a plasma que custava tanto quanto um carro. Hoje ela não custa mais isso. Veja o preço de um carro hoje e preço de uma TV a plasma, é completamente diferente. E por que isso? Porque ela ganhou escala de produção.
Então,  já existe um trabalho muito eficiente do pessoal ligado a nós aqui no laboratório, no caso do ônibus a hidrogênio, porque eles conseguiram algo assim inédito, ao fazer a inauguração do ônibus agora em maio. Nós tínhamos lá presente o governo do estado do Rio, a prefeitura do Rio, a Fetranspor _que é uma federação de donos de empresas de ônibus, mas que é necessário para operar ônibus_, empresas associadas ao desenvolvimento e a universidade, a COPPE.
 
"Então veja, já na inauguração do ônibus, estava sendo assinado um acordo entre todas essas partes. Eu acho que isso é uma oportunidade assim, fantástica".
 
E vai ser mesmo lançada até o final do ano, uma linha com ônibus a hidrogênio?
O que está previsto é o seguinte: agora ele vai começar a rodar aqui na Cidade Universitária e já foi escolhida uma empresa, da Fetranspor, que vai operá-lo e um trajeto que ele vai fazer na cidade, normalmente. Esse protótipo que nós temos. A partir daí, quer dizer, do uso realmente é que se coletam dados para uma atividade prática: “Olha, funcionou assim, assim, assado”. Nós comparamos a manutenção dele, o uso, o número de paradas para a manutenção em relação ao veículo convencional, tipos de vantagens ou de problemas que teve. Então, a partir daí é tomada uma decisão para o uso comercial. Porque é uma tecnologia muito nova, muda muito.
 
Mas é uma tecnologia que vai chegar ao futuro, não é?
Com certeza.
 
A probabilidade de ser a tecnologia do século XXI é muito grande?
Eu acho que é inexorável.
 
E hoje o problema de segurança? O ano passado, quando eu vi nas revistas, dizia que o hidrogênio era o futuro, mas que tinha um grande problema de armazenagem, a questão de segurança. É verdadeiro? Estão resolvendo?
Olha, existe um pouco de mito com relação a hidrogênio e segurança. Por que é que tem isso? Por causa da história conhecida do Zeppelin que explodiu quando ia pousar nos Estados Unidos. Já foi provado que não foi o hidrogênio dele que explodiu. Era inverno, eles jogaram correntes para amarração, o ambiente seco, aquilo bateu no chão, fez-se faísca e o revestimento do Zeppelin era altamente inflamável, ele pegou fogo.
 
"Depois que pegou fogo e que já consumia o Zeppelin é que as garrafas de gás explodiram. Quer dizer, elas não estiveram na origem do problema".
 
Além disso, as garrafas de gás que se usavam naquela época não têm nada a ver com as que se utilizam hoje. Então, existe um certo mito dessa questão da segurança com o hidrogênio. Eu visitei um laboratório no Japão, em que ele testa segurança de veículos, com diferentes combustíveis. E é uma coisa impressionante, eles têm um prédio enorme, colocam lá dentro por exemplo, um carro a gasolina e forçam um problema de incêndio com aquele carro. Deixam o carro pegar fogo, filmam, avaliam, detectam tudo. E fazem a mesma coisa com um carro com gás natural, outro com diesel e outro com hidrogênio. Eu vi essas experiências lá. O problema com o hidrogênio é minimizado, por exemplo, se comparado com a gasolina. A gasolina é um combustível líquido, que se espalha quando  vaza. Quando espalha, ela faz pegar fogo por todo o lugar por onde ela se espalhou. Já o hidrogênio é um gás, tem tendência a subir, se concentra e ao se concentrar é consumido rapidamente. Além disso, os reservatórios de hidrogênio hoje têm válvulas de segurança, qualquer problema o hidrogênio é rapidamente expelido e consumido no ar. Quer dizer, mais de 4% em volume de hidrogênio no ar é consumido espontaneamente.
 
"Então eu diria o seguinte, a engenharia hoje resolveu o problema de segurança de uso de hidrogênio".
 
Então, eu não acho que nós teremos um problema por aí. Mas a ciência não parou. Por exemplo, aqui no laboratório, nós desenvolvemos materiais para armazenamento de hidrogênio. Nesses materiais, você não armazena o gás hidrogênio, você armazena átomos de hidrogênio. A gente pega o gás, quebra a molécula gasosa dele e armazena. Na realidade, até o átomo quando entra no material é ionizado em prótons e elétrons. Os elétrons passam a fazer parte do gás eletrônico do metal e os prótons caminham até um lugar onde ele para, vira átomo de novo e forma um composto chamado hidreto, um hidreto metálico. Um material desse que contém hidrogênio não explode, não pega fogo, não acontece nada com ele. Então, já existem hoje portanto, formas ainda mais seguras do que o uso do gás hidrogênio para utilizar hidrogênio.
 
 
Professor,  a sua equipe mostrou ali umas fitinhas. São aquelas fitinhas?
São essas.
 
Quer dizer que aquilo diretamente vai fabricar o combustível? Você vai tirar dali um dia ou só armazena?
Não, aquilo lá é só para armazenar. Você pega o hidrogênio e introduz ele dentro de uma estrutura metálica sólida onde ele não é mais gás. Agora, quando você quer o gás, você esquenta um pouquinho o metal, os átomos vem para a superfície, forma o gás e você usa o gás.
 
Então, é um modo de transporte mais fácil para carregar hidrogênio?
Não só é um modo de armazenamento, como simplifica enormemente o transporte de hidrogênio.
 
O negócio do ônibus, a gente viu a divulgação e me chamou à atenção _porque eu li no Globo_ e eu tinha visto antes, só carro solar. Me disseram que lá em Minas o pessoal estava desenvolvendo o carro a energia solar, que os franceses estavam muito à frente nessa matéria, isso com um certo interesse de leigo, evidentemente. Mas aí eu vi o ônibus e achei espetacular. E no entanto, praticamente ficou ali, na matéria do Globo. Quer dizer, ele não teve uma divulgação...
Olha, teve sim.  Eu fiquei espantado de ver. Pelo seguinte, nós inauguramos o ônibus no dia 26 de maio. Logo no fim de semana seguinte fomos participar no Challenge Bibendum, quando até o Lula andou no ônibus. Fomos nós que pegamos o Lula para levá-lo para ele fazer o discurso de inauguração, que foi nesse rallye, que foi o Challenge Bibendum. E em cerca de quatro a cinco dias a partir da inauguração, houve nada mais nada menos do que 153 inserções na mídia. Incluindo televisões, jornais, rádios, revistas. Foi uma coisa assim, espantosa, entendeu? Então, tem muito interesse da mídia, mas veja que tudo isso é mídia espontânea, em nenhum momento a COPPE pagou algum órgão de imprensa para fazer uma propaganda.
 
Eu achei curioso, porque vi no Globo a matéria no dia em que vocês iam andar com o ônibus no Aterro. No dia seguinte, não tinha nada. Aí me perguntei será que o ônibus deu chabu (risos), como o programa aeroespacial?
Não, o Globo é assim, ele mostra uma coisa e depois ele não reforça aquilo. Para você ter uma ideia, por causa daquela inauguração, saiu uma reportagem nossa no Jornal Nacional. Quando chegou no Challenge Bibendum poucos dias depois, eles me chamaram para uma outra reportagem no Jornal Nacional, mas me pediram o seguinte: “Vamos falar sobre veículos elétricos. Mas nós não falamos nada sobre o ônibus, porque ele já saiu”. Então eles são assim, não reforçam a coisa. Saiu, saiu.
 
Não dá continuidade.
É, saiu, dá um tempo, não mexe mais. Agora, a mídia nacional, replica o que eles põem no Globo, sabe? Ou nos grandes meios de divulgação. Então, a partir do momento em que sai uma matéria num grande jornal, a gente começa a receber requisição de um jornal ou de uma rádio do Espírito Santo, outra de não sei da onde, entendeu? Porque isso é replicado pelo país. Então, eu achei até que houve assim uma divulgação grande e maior do que eu imaginava, logo depois da inauguração. Agora, é um tema meio árido às vezes para as pessoas.
 
Lá nos Estados Unidos já estão vendendo os carros mistos elétricos e de gasolina. Então, quer dizer, eu vi toda uma matéria que dizia que o preço é caro, mas que as grandes companhias americanas de automóveis já estão produzindo esse híbrido e eles estavam calculando que em cinco anos, essa proporção _em função daquilo que você disse também_ vai aumentando na escala e tal. Você tem uma estimativa assim, de quando a gente pode usar veículos mistos do tipo que vocês bolaram?
Quando a gente pensa em Brasil, a gente tem que ver que nós temos uma situação, em termos de automóveis, muito diferenciada, em relação aos Estados Unidos e ao resto do mundo. Completamente diferenciada. Aliás, esse aqui é um país diferente mesmo. E, às vezes, há coisas boas como é o caso da energia. Então, os Estados Unidos que você citou é um país que usa muita energia, é o maior consumidor de energia elétrica do mundo. Mas mais de 50% da energia elétrica dele é produzida com carvão, hoje, século XXI, entendeu? Enquanto a matriz energética brasileira é a mais limpa do mundo, 46% de toda a energia usada no Brasil é renovável. Nos Estados Unidos é 2,5%, entendeu? E o Brasil é um país em que todas as indústrias de automóveis são estrangeiras. Não tem automóvel brasileiro, não é verdade? Em contrapartida, todas as indústrias de ônibus praticamente, são brasileiras. Até as que são estrangeiras, têm um caráter brasileiro. Por exemplo, a Volkswagen é uma empresa alemã, mas os projetos de ônibus da Volkswagen vendidos no Brasil são feitos no Brasil, o que é algo raro. Então, falar em ônibus no Brasil é uma coisa, falar em automóvel no Brasil é outra coisa. Falar em automóvel nos Estados Unidos muda completamente. Por quê? Porque o Brasil é o único país do mundo que fez uma transformação de combustível veicular. Nós usamos álcool, de zero a 100% nos nossos veículos, mais de 90% dos veículos novos são flex. E, além disso, nós não usamos gasolina pura, nossa gasolina tem entre 20 e 25% de etanol. Então, nós temos soluções para automóveis, que eles não têm. Então, eles precisam arrumar soluções mais rapidamente do que nós. A nossa condição é mais confortável que a deles.
Sem falar no fato que nós usamos combustível fóssil, eles também, para botar em automóvel, só que o Brasil cada hora que passa, acha mais petróleo. Só com o pré-sal nós achamos um poço que tem a bagatela de 200 km de largura, por 800 km de comprimento. E isso vai do Espírito Santo até Santa Catarina. Aí agora, lá no nordeste_ acho que não é na tua terra; é perto de Sergipe_ furaram e acharam óleo leve. E aí fica a dúvida, será que esses 800 km se expandem lá para cima? Ou seja, o Brasil hoje tem muita biomassa, tem muita eletricidade produzida a partir de água, mais de 70% da energia elétrica brasileira é oriunda de hidroeletricidade, mas nós só usamos 30% do nosso potencial hidráulico. Hoje em dia, por incrível que pareça, na matriz energética brasileira, os produtos energéticos derivados da cana-de-açúcar representam mais do que a produção hidráulica, apesar do Brasil produzir quase 80% de eletricidade da água. Então, você vê que não dá muito para comparar hoje Brasil e outros países do mundo, principalmente Estados Unidos, porque a nossa condição energética é invejável.
 
"Então, eu acho que o veículo automóvel híbrido de tração elétrica seria uma excelente solução para o Brasil".
 
Agora, com relação a automóveis, o que eu acho é o seguinte: o Brasil já tem uma solução muito boa, que é o etanol e é renovável. Quando a gente queima e produz CO2 aí nesses carros, a cana-de-açúcar está crescendo e absorvendo CO2. Então, nós temos um ciclo ambientalmente amigável para uso em automóvel. Mas ainda assim, tanto lá quanto aqui, eu acho que os veículos híbridos são uma etapa intermediária necessária. Eles ocorrerão tanto lá quanto aqui. Existem os híbridos com atração principal ainda com motor de combustão interna e existem os híbridos com tração elétrica. Por exemplo, esse veículo é um veículo hibrido. Por que é que ele é hibrido? Porque a energia que ele usa vem de várias fontes diferentes. Agora, a tração dele é elétrica. Então, acho que esse é que seria um passo interessante para o Brasil. O hibrido com tração elétrica. Porque ele é um veículo que é silencioso _o veículo elétrico, com tração elétrica é um veículo silencioso_  ele não polui quando ele está sendo usado e o Brasil é muito rico em energia elétrica. Rico em energia elétrica do setor hidráulico e rico em energia elétrica porque hoje em dia, se produz muita energia elétrica no Brasil utilizando restos da produção alcooleira. Várias empresas que produzem álcool e açúcar no Brasil hoje produzem eletricidade para elas próprias e vendem para o sistema integrado nacional de eletricidade. Então, eu acho que o veículo automóvel híbrido, de tração elétrica, seria uma excelente solução para o Brasil.
 
Esse ônibus vai começar a ser industrializado pelo governo brasileiro, mais ou menos em que ano? Industrializado mesmo, em larga escala?
Eu acho que não vai ser pelo governo brasileiro. Vai ser por indústrias brasileiras com o apoio do governo brasileiro, certamente. E eu acho que isso ocorrerá nessa década que nós estamos vivendo.
 
"Nos próximos cinco ou dez anos, nós veremos uma atividade industrial no Brasil para a produção desse tipo de veículo. Porque embora seja uma tecnologia muito avançada, digamos até um pouco futurista, nós conseguimos no Brasil uma condição que não foi conseguida fora daqui".
 
Porque esse veículo fabricado no Brasil é muito mais barato do que um veículo fabricado fora do Brasil, em primeiro lugar. Em segundo lugar, porque a nossa tecnologia é mais avançada do que a deles. Então, nós conseguimos projetar no Brasil um sistema de tração para um ônibus a hidrogênio, que é muito mais eficiente do que aquele feito no hemisfério norte.
 
Com isso, você acha que a gente consegue mais recursos para a COPPE? Porque esse ônibus é um excelente instrumento de marketing, além de ser uma política efetiva.
Eu acho que certamente. Quando você tem exemplos de sucesso, isso suscita o interesse de grupos investidores, não só do governo, como de empresas privadas. Então, acho que isso contribui fortemente para alavancar mais recursos para a continuidade de projetos como esse, como para outros projetos.
 
Na conversa inicial com a sua equipe, seu ex-aluno vinha introduzindo a gente no assunto e tinha dito que estão formando empresas aqui de gente inclusive que foi da universidade. E eu perguntei se os setores tradicionais eram muito renitentes em aplicar novas tecnologias. Por exemplo, esse ônibus vai ajudar a vocês em outras linhas industriais? Essa aplicação que vocês fazem aqui?
Olha, a COPPE particularmente aqui na UFRJ, tem um histórico muito grande de cooperação com empresas. Talvez seja o maior do Brasil em termos de cooperação com empresas, de desenvolvimento de projetos com empresas. E nós temos várias empresas parceiras. Por exemplo, aqui no meu caso eu tenho uma outra linha de pesquisa sobre pilhas a combustível dióxido sódico, esse aparelhinho que está aqui, com uma grande empresa brasileira, que é a Oxiteno, uma empresa da área química. Então, é uma empresa de um grupo tradicional, grande no Brasil, mas que está investindo em pesquisa aqui. E eu acho que existe esse efeito colateral da seguinte maneira: “Um grupo que conseguiu fazer aquilo, de repente, consegue fazer isso aqui também”.
 
"E então é isso. Um exemplo de sucesso acho que ajuda a outros desenvolvimentos".
 
Com relação à utilização do hidrogênio _porque esse já é um trabalho específico_ mas para que serviria o hidrogênio, além do combustível?
Eu acho que nós devemos entender o uso do hidrogênio de uma forma mais ampla. Não é só o hidrogênio especificamente. Mas o hidrogênio e compostos que o contém em grande quantidade. Por exemplo, gás natural, biogases, etanol, são compostos que contém hidrogênio em grande quantidade. Então, esses compostos podem ser usados para produzir hidrogênio e aí se utilizar o hidrogênio, ou eles podem ser usados diretamente. Por exemplo, aqui no laboratório, nós temos uma pesquisa bastante avançada de um dispositivo como esse, que é chamado de pilha combustível, que é um conversor de energia.

"A pilha combustível converte a energia química de um combustível em energia elétrica. Acredita-se que ela representará para o século XXI, o que o computador representou para o século XX".
 
Então, quer dizer, daqui a dez, vinte, quarenta anos, nós vamos estar utilizando muitos dispositivos como esse, em muitos lugares diferentes da nossa vida quotidiana. Então, nós desenvolvemos uma pilha combustível que não precisa que se produza o hidrogênio para, a partir do hidrogênio, produzir eletricidade. Nós a alimentamos com etanol, diretamente. E com isso, a gente produz eletricidade.   
 
  
                   

Então, existem soluções desse tipo. E para que nós fizemos isso? Nós desenvolvemos esse dispositivo para geração distribuída de energia elétrica. Por que isso é importante? Tem muitos lugares no Brasil, alguns relativamente próximos de nós e outros distantes de nós, lá pela Amazônia afora, onde a rede de distribuição de energia elétrica brasileira _que é imensa, uma das maiores do mundo_ não chega. Por que é que ela não chega? Porque às vezes é caríssimo fazê-la chegar lá; e às vezes o custo ambiental para fazê-la chegar lá é muito grande. Então, você tem comunidades no Brasil, que se você levar 200W de energia elétrica é uma alegria. Se você levar 1kW, você permite ter uma dispositivo qualquer para armazenar comida, vacina. Então, muda a configuração de vida daquele povo ali. Às vezes é um aglomeradozinho de casas. É pouquinha gente. Por exemplo, eu tenho um filho que faz arquitetura na UFF. E aí ele ganhou uma bolsa e foi fazer um trabalho no norte do Pará, para estudar o modo de vida das pessoas, como é que as pessoas fazem casas naquela região do Brasil. E ele foi num lugar de pessoas que vivem em torno de um lago. É assim:  tem um lago; atrás do lago tem floresta. Nada mais. Acabou. Se você quer ir dessa casa, que está na beira do lago para outra casa que está na beira do lago, você não tem uma estrada aqui não; você tem que ir pelo lago. Lá não chega energia elétrica, porque não tem como chegar. Porque senão você teria que passar através da floresta. Mas lá tem comunicação com rios, que chegam nesse lago. E etanol é um combustível liquido. Você pode carregá-lo. Então, se você bota um dispositivo desse, lá e você leva etanol, a pessoa pode ter na casa dele, lâmpada, rádio, geladeira; e vai por aí afora.
 
"Você pode usar a pilha combustível para geração distribuída de energia elétrica. Você pode usar também biogases, que podem ser produzidos nesses locais isolados, a partir da gaseificação ou biodigestão de biomassas. Ou nós podemos usar nas nossas casas".
 
Aqui no Rio, nos grandes centros. Como? Você não tem um boiler na sua casa, um aquecedor que gera água quente, para você tomar banho? Então, tira ele, joga fora; bota um dispositivo desse que pode usar gás natural, que já chega encanado na sua casa, que pode, não só gerar calor para você tomar banho, mas gerar a sua eletricidade.
 
Você já tem ideia mais ou menos do custo desse mecanismo?
Olha só, eu posso te dizer que no Japão existem nada mais nada menos que uns cinco mil dispositivos desses em teste real, em casas japonesas. Você os coloca na sua casa, você gera eletricidade e calor para sua casa, e gera a sua eletricidade. Se você gera menos eletricidade do que você precisa consumir, você consome também da rede elétrica, agora se você gerar mais, sabe o que você faz? Vende a sua eletricidade, ganha bônus por fornecer ao sistema integrado nacional. Isso no Brasil ainda não é possível, porque precisa legislação para isso.
As grandes empresas que eu te falei, que produzem eletricidade, já podem fazer isso. Por exemplo, uma grande empresa produtora de álcool e açúcar, ela produz eletricidade para ela própria e ela vende para o sistema integrado nacional. Mas nós ainda não podemos fazer isso em residências, ou numa escola, ou numa empresa, por falta de legislação para isso.
 
Mas você acha que no futuro, essa é uma forma da gente conseguir fazer isso?
Veja a diferença que tem isso. Hoje em dia, nós produzimos eletricidade em grandes usinas geradoras de eletricidade como Itaipu, usina nuclear, usinas térmicas. Uma vez produzida essa eletricidade, ela tem que ser despachada. Por quê? Porque eletricidade não se armazena. Ou você produz e usa, ou joga fora, ou não produz. Razão pela qual, Itaipu de vez em quanto, muito frequentemente, verte água; joga água fora. Por quê? Porque não precisa produzir mais eletricidade. Quando você produz essa eletricidade, em grande escala, você transmite e você distribui. Nada mais nada menos do que 30% da eletricidade que você produz, você perde transmitindo e distribuindo. Imagina o que você ganha se você produz ela localmente, em muitos lugares diferentes, ao invés de produzir centralizadamente e distribuir?
 
"Essa é a geração distribuída de energia elétrica. Imagina a internet como funciona hoje, assim vai funcionar a geração de energia elétrica. Como uma internet. Todos nós geraremos a nossa energia".
 
E nós usaremos e venderemos. Quer dizer, a gente vai ter bônus para usar mais, quando a gente precisar. Mas nós não temos legislação para isso, hoje, no Brasil.
 
Itaipu está usando lá, com produtores de porcos. Eu li no jornal. Estão produzindo energia, dando bônus. É a partir, se não me engano, do cocô dos porcos.
Também. Veja só, com cocô de porco você pode também fazer a biodigestão, produzir hidrogênio, metano, ou um gás rico em hidrogênio e o subproduto você usa na lavoura, esterco. E sabe com o que mais você pode fazer isso? Com o nosso próprio cocô, pega uma usina daquela ali de Copacabana, que pega o nosso esgoto e prepara para lançar no mar não sei aonde, e, transforma aquilo numa usina de produção de energia e de produto de uso agrícola.
 
"Chegou a hora do Brasil mostrar para o mundo que tem soluções diferentes e interessantes, tecnologicamente interessantes, ambientalmente corretas".
 
Você acha que essa maquininha pode ser usada nos carros flex, para o álcool virar eletricidade e não poluir o meio ambiente, aqui no Brasil?
Olha, nós desenvolvemos esse produto para uso estacionário, conforme eu falei, para geração distribuída de energia elétrica. Mas nada impede que ele venha a ser modificado para o uso veicular. Então, isso é uma possibilidade. E é uma possibilidade bem típica brasileira e longe da realidade de outros países por aí afora.
 
Mas na biotecnologia nós temos dificuldade de ter um programa que fascine as pessoas. E esse ônibus fascina. Eu falei, a minha filha foi, viu, ficou entusiasmada, queria comentar. Na área da biotecnologia, eu já fiz uma entrevista aqui com o Professor Antonio Carlos e não tem ainda um negócio que mobilize, para ajudar o povo a criar um clima de simpatia para fazer novos investimentos.
Eu acho que isso é importantíssimo. Esse clima de simpatia que você falou, eu acho que  é muito importante. Agora, eu vejo uma outra característica do Brasil, que não é muito comum fora do Brasil. O Brasil é um país aberto a aceitar coisas novas. Vai fazer uma transformação de mercado na Alemanha? É difícil. É um povo mais conservador, é mais assim: “Não, eu já uso isso e vou continuar usando isso”. No Brasil não, acho que até pelo fato de já ter feito essa transformação de mercado nos automóveis usando o álcool, estar fazendo uma nova agora com o biodiesel, ele é aberto a receber essas coisas. Mas o que é que a gente precisa no Brasil, para facilitar isso? Acho que algumas coisas importantíssimas, primeiro é essa aceitação popular. O povo tem que entender, tem que gostar, como você falou: “Eu achei legal isso”, tem que querer. Agora, tem que ter legislação e incentivo governamental. Então, por exemplo, no caso dos carros elétricos. Usar carro elétrico no Brasil é mais caro do que usar um carro que não seja elétrico. Qualquer veículo elétrico. Por quê? Porque tem mais imposto.
 
"Sabia que você paga mais imposto para usar um veículo elétrico no Brasil do que para usar um veículo à combustão interna?Então aí dificulta. Então tem que ter legislação que facilite o uso".
 
Na Europa hoje em dia, você lê no jornal, você ganha um bônus de 5 mil euros, 7 mil euros, se comprar um carro mais ecológico. Bônus! E olha que um bom carro na Europa custa 17 mil euros. Esse mesmo carro custa, no Brasil, R$ 70 mil. É uma diferença fenomenal. Então, a gente precisa de aceitação popular. Quer dizer, de informação do povo brasileiro. O povo brasileiro é muito perspicaz, pega rápido a coisa. A gente precisa informar o povo brasileiro, a gente precisa ter legislação e a gente precisa perder o medo de usar o dinheiro público para coisa boa. Tem que perder esse medo. Então, tem que ter, sabe o quê? Compra governamental.
 
"Se o governo brasileiro investir para comprar cem, duzentos, quinhentos ônibus desses para rodar em vários lugares, ele viabiliza a indústria brasileira, que aí passa a vender para outros compradores brasileiros e fora do Brasil".
 
E tem outro instrumento que é a concessão. Se ele começa a exigir da concessão, o uso.
É verdade.
 
É um poder que vai implicar muito nisso.
Exatamente. Então, a gente tem que ver como viabilizar tecnologias novas no Brasil. E eu vejo essas coisas, aceitação popular,  legislação que facilite o uso, que permita o uso. Em alguns casos não é permitido. Por exemplo, botar um gerador de eletricidade na minha casa para vender energia hoje, não é permitido. Então, isso tem que ser permitido, em primeiro lugar. Depois de ser permitido, tem que ser incentivado. Isso é através de legislação. E precisa do investimento governamental, do que eu chamo a compra governamental. Todos os países desenvolvidos fazem isso, para permitir que as suas empresas de alta tecnologia, ganhem escala e saia desse problema que custa mais caro. Por que é que custa mais caro? Aí é aquele negócio da galinha e do ovo, quem veio primeiro, não é? Custa caro porque é produzido em pequena escala; é produzido em pequena escala porque ninguém compra; ninguém compra porque custa caro. Então, a gente tem que quebrar esse círculo vicioso, para cair num ciclo virtuoso; essa que é a ideia.